terça-feira, 3 de novembro de 2009

Teatro e Saúde Mental


Jornal USP Ribeirão – Nº961 – 3 de novembro de 2009

Teatro e Saúde Mental - Profa Dra Edilaine Cristina da Silva

O uso de teatro no processo educativo não é novo, desde a era clássica, o teatro já era considerado veículo para educação de pessoas. Não há como negar a didática do teatro de Brecht, difundindo idéias socialistas e a lógica dialética, ao mesmo tempo em que plantava o questionamento ao sistema capitalista.
Como muitos autores, acreditamos que o teatro seja capaz de questionar situações, buscar e encontrar respostas, descobrir novos caminhos e, principalmente, apostamos no poder do teatro em recriar as relações. Nesse sentido, o teatro é vivência, desperta sentidos e emoções, estimula o pensar e mobiliza conhecimentos.
Já a saúde mental, é uma área de saberes e práticas de fundamental importância para o ser humano. Um bem subjugado a diferenças culturais, subjetividade e modelos teóricos dos mais diversos, onde o isolamento, a segregação, a exclusão e os maus-tratos foram, durante grande período da história da psiquiatria, a forma de resgatar a saúde mental àqueles considerados psiquicamente enfermos.
Hoje, muito se modificou no cuidado a pessoas portadoras de transtornos mentais, porém, a sociedade ainda carrega atrasos enormes nas relações que estabelece com essas pessoas.
É nesse cenário, que buscamos um processo de formação de profissionais para o cuidado em saúde mental. Uma formação que resgate a humanidade das pessoas acometidas por esses transtornos, através de um processo que mobilize o estudante para o árduo mundo de quem experimenta a doença mental.
Dessa forma, o teatro tem sido incorporado como fio condutor do processo pedagógico dos estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem da EERP-USP. O projeto, que se tornou possível graças à parceria com a ONG Ribeirão em Cena, visa transportar a vivência dos transtornos mentais para a sala de aula através do trabalho de ator. Além disso, os estudantes participam de vivências baseadas nos jogos teatrais, que trabalham o estado de atenção com o outro, a percepção sensorial e a comunicação espontânea e empática, elementos fundamentais para a prática do cuidado em saúde mental.
Para concretizar o trabalho, os atores participaram de um processo profundo de estudo sobre os transtornos mentais e, juntamente com um diretor de cenas, vivenciaram laboratórios que levaram à criação dos personagens. Acometidos por transtornos psiquiátricos, os personagens apresentaram seus cotidianos distribuídas entre os cômodos da Casa 17, localizada dentro do campus.
A atividade, que introduziu a disciplina, levou os estudantes a caminharem pelos cômodos e a vivenciarem, para muitos deles, o primeiro contato com o transtorno mental. Cada cômodo foi ambientado para representar o ser humano, que convive com a doença mental, e não a doença. Os alunos-espectadores contemplavam o trabalho dos atores por diferentes perspectivas, o que permitiu o compartilhar de aromas, cores, sons e principalmente, emoções e sentimentos. As primeiras manifestações relatadas pelos alunos são de que a experiência é impactante e que ficará marcada em suas vidas.
A experiência se estende no desenvolver da disciplina com cenas interpretadas dentro da sala de aula, apimentando as discussões e aguçando a motivação dos estudantes.
O projeto, que tem o caráter de ensino e pesquisa, vem sendo avaliado desde o início e busca na inclusão do teatro trazer o estudante de enfermagem ao questionamento, à discussão e à criação de novas relações com o doente e a doença mental.
Observações: O projeto Teatro e saúde mental está sendo realizado sem apoio financeiro e conta com o trabalho voluntário dos atores.

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